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14/12/2022

 Não se argumenta com um cachorro louco

 

A frase é antiga. Porém, não há como a negar: não se negocia com cachorro louco. A metáfora, extraída diretamente da vida, explica muita coisa em nossas relações sociais – especialmente hoje e não só no Brasil.

Foi em 1936 que se publicou um texto essencial para se começar a falar sobre este país e seus filhos. Refiro-me a Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Lá está o seu capítulo fundamental, o Homem Cordial. Hoje já estamos fartos de saber que não se trata de cordial no sentido do educado, do polido, mas daquele que se move pelas emoções – no que isso tem de melhor e pior. Nós, povo brasileiro:

a)    Ficamos arrepiados ao ouvir o Hino Nacional na abertura do jogo decisivo.

b)    Choramos forte na reportagem que mostra a superação da mãe que só dorme quatro horas por noite, para andar oito quilômetros ao amanhecer para levar os filhos à escola, alimentando-os com raízes selvagens cozidas (o comentário meritocrata de que “quem quer, consegue” é esperado).

c)    Aplaudimos o fato de o detento por roubo ser torturado na prisão, por policiais ou outros prisioneiros. Ele merece sofrer. Vagabundo! Tem que apanhar!

É o mesmo povo. Em várias classes sociais, escolaridades, rendas etc.

E, em nenhum momento, procuramos entender a letra do hino, a importância do campeonato ou o tipo de sistema que obriga aquela mãe a buscar uma desesperada sobrevivência em meio à miséria. Não há, na vida cotidiana (ou seja, fora da academia – e ainda é pouca e pobre), uma reflexão sobre nossas natureza e cultura. Essa postura já é suficientemente ruim, pois nos priva de autoconhecimento tanto de nossas realidades (que são várias) quanto das identidades (idem). Isso nos atrasa, nos deixa à mercê das interpretações que outros fazem e nos outorgam (interpretações essas que visam os interesses deles, não os nossos). É muito ruim; mas, não chega a ser assustador.

O terceiro exemplo, não. Ele se torna, sim, aterrorizante. Falo do ladrão que apanha: isso não está na lei brasileira; aliás, é expressamente proibido pela legislação. E aplaudimos. Há algo errado aí. Como nos emocionamos tanto com a partida de futebol e com o sacrifício materno e, ao mesmo tempo, aprovamos a transgressão da lei para fazer sofrer um transgressor da lei? Isso não nos faz, nós bem nascidos, educados e que nos emocionamos com coisas tão bonitas, não nos faz, repito, merecedores de cárcere – com todos os sofrimentos desejáveis ao criminoso?

Aí está o nosso cachorro louco. Tomados por uma emoção, exigimos a vingança. Não a justiça. TODAS as vezes em que se mostra a manifestação de uma comunidade que perdeu um de seus membros (assassinado, em geral), vemos e ouvimos o coro indignado: “Jus-ti-ça! Jus-ti-ça!”. A revolta é real; o desejo, não. Não se quer justiça, mas vingança. Basta alguém dizer isso e é obrigado a ouvir: “e se fosse com seu filho?!”. Minha reação, provavelmente, seria igualmente emocional e vingativa; tentaria buscar a justiça com as próprias mãos. É humano. É estar fora de si, sob violenta emoção (para usar a linguagem jurídica). Não está em sua condição normal, não há como argumentar com essa pessoa – como se fosse um cachorro louco.

Mas, uma sociedade não pode agir emocionalmente. Aliás, é para isso que ela existe e elabora leis, a fim de conter os arroubos personalistas e buscando a equanimidade entre seus integrantes. A ideia de Freud (em O mal-estar na Civilização) de que a civilização decorre de repressão das pulsões naturais aparece e se justifica aqui (há discordâncias importantes; mas, uso a ideia para efeito de argumentação). Democracia não é “ser livre para fazer o que quer”. A lei nos impede de um monte de coisas, visando o bem comum. Essa é a realidade em todo o Mundo (minimamente democrático, ao menos).

Encaminho para o final. Esse nosso trabalho a muitas mãos – característica essencial do Teatro, hoje também na dramaturgia – busca introduzir, pela via da Arte, esses temas na vida cotidiana a que me referi parágrafos acima. Não chegaremos a fixar e expandir um conceito sólido de cidadania sem entendermos – e PRATICARMOS! – essas ideias na vida real, no espaço da família, do bairro, da comunidade. Como sempre (é um vício antigo e, creio, irreparável...) imagino uma saída pela Educação; no caso presente, apoiada na Arte. Será esta que nos fará perceber e refletir sobre nossa condição. Entendo, claro, que temos mais de cinco séculos (meio milênio!) de sociedade autoritária e violenta. Não será com uma peça de Teatro que iremos mudar essa realidade. Mas, temos que aproveitar cada oportunidade e (re)começar, sempre!

É preciso vacinar esse cachorro, para acabar com essa loucura toda.

(Prefácio para a peça Cachorro Louco, de Felipe Scalzaretto, cujo tema central é o linchamento – como forma de expressão jurídico-cultural brasileira)

22/10/2022

O risco de virarmos Venezuela não é coincidência.




De tanto ouvir gente falando coisas erradas, só porque tem preguiça de procurar, o titio aqui resolveu escancarar uma das afirmações mais presentes nos últimos anos. No princípio, temos um país que, há décadas passou por um regime militar. Aí, apareceu um dirigente que o levou a um caos total, virou exemplo de coisa ruim – e é sobre ele que eu vou te falar.


Ele nasceu numa pequena cidade do interior, numa família modesta, onde teve uma infância humilde e sem luxos. Ingressou na carreira militar, passou pelas academias, foi paraquedista e chegou a oficial; não um general, nada disso, ficou abaixo de coronel. Mas acabou incorrendo em faltas disciplinares graves, que lhe custaram a carreira militar – e o jogaram na política. 

O país, como todos sabem, lidava com problemas crônicos: aumento da pobreza, corrupção, desvio de dinheiro público, saúde, educação – o de sempre.  Dois partidos se alternavam no poder há décadas, polarizando as disputas eleitorais. E é aí que entra o Grande Líder, pra acabar com a corrupção desses políticos profissionais. Embora ele estivesse entrando pra política, declarou: "Sou apenas um homem, um soldado, um patriota". Parecia um cara diferente; o povão, cansado das elites, começou a prestar atenção. 

Ele começou por agrupar muitos militares ao seu redor, o que significaria, em pouco tempo, cargos. Também partiu pra ofensiva em relação aos outros poderes. Enfrentou a imprensa e passou a pregar contra o processo eleitoral, que sempre elegia os mesmos canalhas. Foi assim que ele acabou chegando ao Poder.

Uma ideia recorrente acabou virando realidade: armar a população civil e formar milícias, em nome da liberdade. O governo já era dele, claro. Tomar o Estado é mais grave e profundo. E, dentre as outras medidas para isso, seria necessário eliminar a ação dos órgãos de investigação, fossem polícias ou funcionários públicos civis. Quem não se enquadrava era perseguido e demitido, com os dados oficiais obedecendo a vontade do governo.

O próximo passo foi desacreditar as instituições democráticas. E seu alvo preferencial foi a Suprema Corte, que não lhe deixava governar. Com diversas manobras junto ao parlamento, conseguiu praticamente dobrar o número de integrantes do Supremo, recheando a corte com gente sua – e nunca mais teve problemas em interpretar as leis e a própria Constituição à sua vontade. Criticar o governo virou crime contra os interesses nacionais.

Ele buscou calar uma das principais emissoras de TV do país, pois ela era de oposição. Ah, durante a pandemia, o governo combateu a covid-19, em parte, com um medicamento que todo mundo jurava que era ineficiente, a cloroquina.

Bem, você, evidentemente, sabe de quem eu estou falando, não é mesmo? Eu sei, esqueci de falar: tudo isso que eu disse hoje se refere à Venezuela e ao regime criado por seu “grande líder” Hugo Chávez. 

Se bem que teve um político brasileiro que, numa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, disse "Chávez é uma esperança para a América Latina e gostaria muito que essa filosofia chegasse ao Brasil. Acho que ele [Chávez] vai fazer o que os militares fizeram no Brasil em 1964, com muito mais força.” Na época ele era deputado; hoje, é candidato a presidente. “Tá ok”?

Todas as informações desse texto foram encontradas nos sites da BBC e do Instituto Liberal de São Paulo. Nenhum dos dois é comunista, tá?

Olha, nem em sonho eu quero que o Brasil vire uma Venezuela!!




Fontes

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58124049

https://www.institutoliberal.org.br/blog/como-a-venezuela-se-tornou-uma-ditadura/


08/03/2022

Dia Internacional das Mulheres - celebração de hoje e luta milenar!

 

Desde que eu tinha uns 10-11 anos me interesso pela condição feminina. Nada de genial de minha parte, só lógica: sejamos iguais nas igualdades e diferentes nas diferenças. Ou seja, disputando uma vaga de trabalho de docente ou motorista, somos iguais. Para saber qual é o melhor absorvente ou a cueca mais confortável, não. Foi a educação que comecei a receber em casa e que, depois, construí para mim e que procuro transmitir a meus filhos (um casal) e alunos de todos os gêneros e orientações sexuais.

Neste Dia Internacional da Mulher, meus parabéns a todas, em especial àquelas que fazer parte mais diretamente de minha vida, de meu cotidiano. Há um monte de gente, principalmente mulheres, claro, que recusa as homenagens e cumprimentos, achando que isso nos faz esquecer das lutas que foram e ainda são extremamente necessárias.

Entendo a postura. Entretanto, faço a seguinte observação: imagine um jogo de futebol, digamos uma final, uma disputa de título mundial apertadíssima. No meio do segundo tempo nosso time está perdendo de dois a zero – e conseguimos enfiar um gol. Não se comemora, dentro e fora do campo, pois ainda não é a vitória?! Dentro do mesmo princípio, as felicitações que dou não desmerecem ou esquecem, nem por um segundo!, as lutas que passaram e as muitas, imensas que virão. Celebrar os avanços é importante para todos sabermos que as coisas vêm sendo feitas.

Então, de novo, parabéns, mulherada!! E a luta continua!

 

22/05/2021

Um chega-pra-lá num sábado chuvoso (sai, depressão!).


Alguns amigos (já do lado errado dos cinquenta anos), diante do quadro sombrio deste país, estão desanimando, perdendo as esperanças de dar aquele salto qualitativo em suas vidas. Temos ideias e projetos em comum; infelizmente, os perrengues políticos e econômicos desta Terra de Santa Cruz nos impedem de ver a coisa florescer. Neste sábado chuvoso, baixou um tom depressivo geral em nosso grupo de zape. Aí, eu parei de escrever um texto enorme que tenho que entregar e mandei essa mensagem pra eles. Por ser amigo, claro; por ser sócio, evidentemente - mas, sobretudo, porque eu acredito MUITO nisso tudo aí. E, por essa razão, resolvi registrar isso aqui. É isso, bem simples: 

Senhores, não é uma questão de otimismo de minha parte, mas qual é a opção? 

Lembram-se da fábula dos dois ratos que caíram, cada um, em um balde de leite. Ambos tentaram nadar; mas, não conseguiam sair. Um desistiu e logo afogou-se. O outro insistiu em nadar, mesmo que estivesse, apenas, se debatendo em círculos. E tanto se debateu que a nata do leite foi virando manteiga, solidificou-se e ele pode escapar. 

Não é "polianismo" de minha parte. Li numa peça de Millôr Fernandes uma citação (que nunca encontrei em lugar nenhum, acho que ele inventou, mas acho ótima), que virou uma espécie de lema pra mim. Numa batalha, um sargento veio avisar: 

- Comandante, o inimigo nos cercou!! 

E ele, sacando o sabre, respondeu: 

- Então, não deixemos que escape!!

Estamos em torno de um projeto desde 2019 ou mais. Não deu certo até agora, mas sabemos que FUNCIONA. Uma hora a gente descobre o jeito de avisar pro mundo e vamos encher o órgão sexual traseiro de grana.  

Sei que desanima, mas um tem que ajudar o outro a seguir em frente. Todos temos algum ganha-pão. Não desistamos dele, até nossas alternativas de sucesso vingarem. 

Acho que é isso. Ainda não bebi nada, só café. Tenho que voltar pra roça. Meu leite ainda não virou manteiga, mas VAI virar. E o inimigo, que pensou em nos cercar, começa a ver que - talvez - não tenha sido uma boa ideia. 

Beijos



06/02/2021

A Funkeira e a Doutora

 

 


Lembra dessa? Ali por maio de 2020, a cantora, performer e funkeira (entre vários outros etc.) Anitta pediu à Gabriela Prioli, advogada, comentarista de telejornal, professora de Ciência Política (dentre vários outros etc.) que lhe explicasse política. Muita gente aplaudiu; porém, muita gente, também, chiou para caramba. Num cantinho qualquer da Internet, vi alguns comentários sobre a situação. Desses, um me chamou a atenção, principalmente pela virulência e pela posição de “dono/a da Verdade”. Aí, entesei e escrevi o textículo que segue. Como, apesar do tempo decorrido, ainda encontro aqui umas coisinhas que permanecem válidas, vai na íntegra.

Criticaram. O quê? Pela ordem: ela só valoriza a bunda; o que ela faz não é Arte; ela nada mais é que fruto da Indústria Cultural; ela é inculta e só depõe contra a cultura do Brasil, aqui e no exterior.  

Daí, comentei:

1.    Não é ela quem valoriza a bunda; ela mostra, os outros valorizam, uma vez que, aqui na Brasiléia, a bunda é um valor.

2.    Ih, ela não faz arte, né?, porque a arte, claramente é... Ok, eu espero você fazer umas aulas de Estética e Antropologia Cultural pra entender a extensão da bobagem que disse.

3.    O que miles de gentes estão afirmando aqui, que ela é uma empresária muito bem sucedida no seu ramo, deve estar sendo difícil de ser entendido; vou inverter procê: por mais que doa, ela é representativa, por isso tem grana e (relativo) poder. É fruto da Indústria Cultural? Claro. Mas, Ivete Sangalo também é (e ela é linda e joinha HOJE; muitos torciam o nariz quando era apenas mais uma vocalista de mais uma banda de - argh, detestávamos - axé); tooodos os sertanejos e sofrentes odiosos, também e... putz, detesto dizer isso, mas... toda banda de róque também. Sinto.

4.    É de lascar atacar uma pessoa, que pode até ter feito um mooonnnte de besteiras a vida toda, justamente quando ela acerta em cheio e faz algo absolutamente correto e relevante. Se a achasse indigna (aliás, por que acharia...?), tenho certeza que Gabriela Prioli não entraria nessa jogada com Anitta (e vice-versa). Digo mais: caramba, que gol! Pegar uma artista que se dirige a uma ampla parcela de jovens, os quais dificilmente buscariam o canal da Prioli para formular essas perguntas tão básicas, primárias e (grave isso!) NECESSÁRIAS foi um golaço!

5.    Se suas posições se mantém, faz um negóço (como diria o amado Aldir Blanc): na tua próxima palestra em Harvard desça o cacete nela; sem perdão! Ah, você não fez/faz palestra em Harvard? Bom, ela fez. Reclama lá na universidade...

 

Em tempo, duas observações:

a)    Não tenho a menor ideia de qualquer coisa que a Anitta tenha gravado depois de "pre-para".

b)    E, porque tentar negar o óbvio: a despeito de todo seu valor, sucesso, capacidade etc. - e sem que essas coisas estejam necessariamente relacionadas - ela tem, de fato, uma bela bunda.

 

 

24/01/2021

Volta às aulas... sem vacina?! Mas, nem por um...!


Aqui em casa estamos espeitando MUITO as regras de prevenção contra o coronavírus. Higienização de tudo o que vem de fora, mãos lavadas, calçados e roupas “de sair” separados, banho ao voltar da rua, álcool em gel para uma limpeza rapidinha e pros itens do supermercado, água e sabão pras mãos e não-encosta-em-mim-que-eu-tô-sujo-da-rua!

Tenho dois filhos: uma menina de cinco e um bitelão de 11. Sempre dou a real pra eles; logo, COVID 19 não é um dodói, esse treco mata. Tenho 60 anos e diabetes. A artrose (resultado de toooda uma vida de muito esporte e muita dança, forçando sempre mais do que deveria) garante o sobrepeso. Daí, papai avisa, se vocês pegarem esse troço, podem matar o papai, ok? Eles entendem direitinho. Só que andam descalços em casa, não há meio (pacífico) de colocarem um chinelo; de lavarem as mãos antes das refeições sem ordens e ameaças; quando encontram alguém precisam ser contidos à força etc.

Como não são muito diferentes das crianças das mesmas idades, pergunto: COMO imagina-se controlar um bando de crianças (pode chamar de “classe”), em sua volta à escola, ao verem o ambiente e toooodos os colegas e professoras e funcionários e tanta gente querida, após quase UM ANO de “confinamento”?  

Estamos em 24 de janeiro de 2021. Falaram de voltar dia 1º de fevereiro. Já adiaram para 08 de fevereiro... porque o raio da pandemia recrudesceu! A imunização NÃO terá atingido um número razoável antes de agosto deste ano, aproximadamente (estou sendo otimista).

Não gostaria de morrer deixando a culpa da contaminação pra uma de minhas crianças – só porque alguém não tem coragem de bancar uma decisão firme.

31/12/2018

Mensagem de FINDANO 2018



Caramba, um ano se passou!
E eu não publiquei aqui nada entre uma mensagem de Findano e outra... humm... isso é mau.
Ok, faço um acordo, uma promessa para com você que me lê: vou transformar esse Blogdowarde num espaço verdadeiramente útil para refletir sobre esse mundinho que nos cerca. Pode considerar uma de minhas promessas de Novano!
Enquanto isso, leia minha Mensagem de FINDANO 2018!!
Feliz Ano Novo!!

24/12/2017

Mensagem de FINDANO 2017

Faz um tempo que não publico mensagens de Findano. Mas, esse 2017 merece.
Lá vai. Espero que gostem!
MENSAGEM DE FINDANO do Warde - 2017

11/08/2014

arte e formação humanística

aí vai uma matéria do acesso - o blog da democratização cultural (publicação do instituto votorantim) a respeito da relação entre arte e formação humanística.
dá uma olhada, que a matéria tem uns pitacos meus.

24/02/2014

mídia e novas tecnologias

aí vai pra vocês um línque, que remete a um artiguinho que titio publicou na revista e no saite do sesctv. divirtam-se!

oba, novidade!