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25/07/2008

outra entrevistinha

o bom de lecionar em faculdade de comunicação é que nunca vão faltar entrevistas comigo mesmo! rerere.

aí eu aproveito para dar forma a algumas reflexões - coisa que eu dificilmente faria no papel - e, com o consentimento dos entrevistadores, publico esse material aqui.

essa entrevista que colei aqui foi concedida para minha queridíssima vanessa oliveira, no campus mooca da universidade s. judas tadeu, em 12/06/2008.

como ficou grande para caramba, vai em três partes.

1ª parte

vamos falar um pouco sobre sua formação acadêmica e sua vida profissional.
eu fiz uma faculdade por tradição de família, faculdade de direito; me formei, cheguei a fazer registro na ordem dos advogados, tentei advogar; descobri minha incompetência pra ser advogado e tive o bom senso de desistir disso, não ficar lá só pra ganhar dinheiro ou coisa parecida.

só que, enquanto eu fazia o curso, eu fiz teatro na faculdade durante cinco anos. comecei a fazer teatro, teatro amador, na faculdade; fiz durante cinco anos, fiz depois que me formei... dois anos depois de ter me formado, eu entrei numa escola profissionalizante de teatro (na fundação das artes de são caetano do sul - http://www.fascs.com.br/); me formei ali e, um ano depois, fui chamado pra dar aula nessa mesma escola. tempos depois, descobri que havia pós-graduação em teatro na universidade são judas tadeu - (http://www.usjt.br/).


fiz esse curso, minha primeira pós-graduação, especialização em teatro. terminado esse, fiz especialização em história da arte. em seguida, mestrado em comunicação na eca-usp e de lá, da minha dissertação de mestrado, saiu o meu livro maria della costa: seu teatro, sua vida. (meu objeto de pesquisa foi a carreira da atriz maria della costa, o que me serviu para, usando como pano de fundo a época em que ela viveu em são paulo, contar a parte principal, acredito, da história do teatro no brasil, especialmente em são paulo, do começo do século 20 até a metade dos anos 70).


depois de muito trabalhar pensando basicamente na sobrevivência eu... eu consegui chegar, pouco a pouco, num estágio bem interessante de carreira, no qual eu trabalho fazendo só o que gosto. então, eu sou professor de teatro, de estética, de história da arte, análise de texto; sou diretor teatral, sou ator, sou dramaturgo, sou escritor; dou curso de oratória, de comunicação verbal, de dramaturgia.

eu me divirto muito fazendo essas coisas e – olha só que legal – além disso, ganho minha vidinha. trabalho aqui na universidade são judas tadeu, onde eu dou aula de estética e história da arte para o curso de jornalismo e para as turmas matutinas do curso de radialismo. também aqui, nesta universidade, dou aula de encenação para o curso de educação artística, habilitação em artes cênicas. fora daqui, sou professor dos cursos profissionalizantes da oficina de atores nilton travesso (http://www.niltontravesso.com.br) e da fundação das artes de são caetano do sul. ali, também trabalho no setor de desenvolvimento de projetos e num programa de desenvolvimento sócio-cultural chamado viva arte viva, que eu ajudei a criar e hoje presto assistência aos coordenadores.

fale sobre a sua.....a parte da arte que você mais gosta, que eu já sei que é o teatro.
(risos) é... hã... o interessante é que quem realmente gosta de uma forma da arte, acaba logo se envolvendo com as outras, porque elas todas se comunicam; se elas não são casadas, elas são primas, são vizinhas, amigas, irmãs, dependendo do caso. (pensa) olha só, eu descobri teatro muito antes de ver teatro, lendo monteiro lobato (na foto), historinhas do sítio do pica pau amarelo.
um belo dia eu, lendo o livro o minotauro, da série infantil do monteiro lobato, li uma descrição do que acontecia numa peça de teatro, uma tragédia grega chamada prometeu acorrentado, de ésquilo. e tinha lá uma fala de prometeu que diz o seguinte: “cairás, zeus, de seu trono no céus; o tridente de poseidon será quebrado, e os homens farão do fogo a arma mais invencível da face da terra!”. eu tinha uns nove anos quando li isso; e eu achei absolutamente lindo; falei: “nossa, eu queria saber mais disso”. aí, eu comecei a me interessar pelas dicas que o monteiro lobato dava através da dona benta e dos outros livros dele.

e foi, então, que eu acabei conhecendo platão, sócrates, shakespeare e algumas outras coisinhas mais. isso me incentivou a estudar mitologia e eu comecei a comprar, com muita dificuldade, uma série de fascículos que era vendida semanalmente em banca de jornal, numa coleção chamada mitologia. hoje... hoje eu sei que o texto era bastante simples, não era um trabalho de pesquisa muito profundo mas, se o texto era simples, as imagens eram maravilhosas. essa coleção era editada no brasil pela abril cultural, mas o original dela, se não me engano, é italiano; era uma coleção ilustrada com obras do universo das artes plásticas, assim, do mundo todo, né? você ia falar de zeus, pegava zeus de toda parte, o deus principal de toda parte... hã... falava de vênus ou afrodite, e pegava o símbolo de mulher de todas as partes; e tudo no universo das artes plásticas: pintura, escultura, desenho, gravura etc. etc.

e foi assim; dali há pouco comprei meu primeiro livro, eu tinha 11 anos de idade. o primeiro livro que eu comprei era hamlet, de shakespeare, porque a dona benta falou que era legal. então, quando eu... se eu tenho que render homenagens a alguém ou agradecimento a alguém pela minha formação, esse alguém é monteiro lobato. esse país deveria ser lobatista, seria um país melhor e mais combativo e mais engraçado e menos bobo.

então, fale um pouquinho sobre artes plásticas e a sua evolução.
hã... foi...bom, o mesmo caminho que me levou ao teatro me levou a gostar de artes plásticas; foi uma coisa que eu sempre... sempre acompanhei e faz bem; faz bem pra vida da gente, assim como o teatro, a literatura, a música, o cinema; ou seja, assim como todas as outras artes, as artes plásticas espelham a gente, né?, elas nos ajudam a refletir sobre nós mesmos, seja pra mostrar um determinado padrão de beleza, seja pra mostrar um... uma época, sabe? no período do renascimento a gente vê, por exemplo, aparecer o cristo loiro de olhos azuis. por quê? porque os pintores tinham seus modelos loiros de olhos azuis, lá no norte da itália e não mais no oriente médio, de onde veio cristo. o tipo físico era outro, o padrão físico era outro.

ou, então, surge uma arte como ....uma arte não, uma proposta artística dentro das artes plásticas, como o impressionismo, que era o quê, quando surgiu? era coisa de um bando de jovens, casa dos 30 anos; quando a gente vê as fotos deles, senhores de barbas brancas e tal, a gente ta vendo as fotos de quando eles já eram grandes artistas, consagrados e eram senhores de barbas brancas. mas, quando eles começaram suas carreiras eles eram jovens, eles eram combativos, eram guerreiros, eles eram os caras que passavam a noite nos cabarés, nos botecos, enchendo a cara e trocando idéias. hoje em dia grande parte das pessoas que passam, também, madrugadas inteiras nos botecos enchendo a cara... não trocam nada! (risos) então, né?, os caras ficavam lá trocando idéias e, às vezes, por essas idéias, eles acabavam brigando de rolar na rua, entendeu?, acabavam brigando de soco, porque acreditavam demais nessas idéias e não porque um estava vestindo uma camisa de time de futebol diferente; brigavam porque eles acreditavam em idéias diferentes, que nada mais são do que maneiras diferentes de ver o mundo e de entender o mundo e de entender o papel da gente, ser humano, nesse mundo.

as artes plásticas... assim, no... no sentido mais bobinho do termo “plástico”... porque plástico? plástico é aquilo que é flexível, moldável e, então – olha só que legal – é uma forma de arte na qual você vai transmitir a sua visão de mundo moldando uma parte desse mundo; você pega um pedacinho de... de... um pedacinho de tinta bastão ou um tubinho de tinta óleo ou você pega um giz de cera, um lápis, uma caneta esferográfica e... eu passei, olha (consulta o relógio), são agora sete da noite... faz, aproximadamente, duas horas eu passei em frente de três pequenos quadros. aí, estava a etiqueta embaixo do quadro “caneta esferográfica sobre papel...”, não lembro o nome do papel, não importa. caneta esferográfica, dessa que a gente usa pra escrever, mas na mão de um artista...

é arte?
é arte, assume um outro significado porque ele vai resumir ali, resumir no sentido de condensar, de captar a essência e colocar no papel – no caso – alguma coisa que você olha e diz: “ah! é, eu reconheço isso daí; eu reconheço aquilo que está ali no quadro, parece... hã... essa pracinha que você desenhou, parece a pracinha da minha vila, lá onde eu fui criado”. pois é, acontece que o artista nunca esteve na vila onde você foi criado – como é que ele acertou a pracinha? ele não desenhou a sua pracinha, ele colocou alguns elementos de pracinha que estão presentes nas pracinhas de todo o mundo, que é pra gente olhar pro quadro e ver a nossa pracinha.

e se identificar com ele?
e se identificar com ele, exatamente. é isso que nos dá, essa palavra que você usou é uma palavra mágica, é isso que nos dá identidade. eu sei quem eu sou quando eu me reconheço.

(fim da parte 1)

que tal? depois eu posto (que palavra!) mais

3 comentários:

Cris Mendes disse...

Obrigada pelo comentário no meu blog professor,foi esclarecedor..rs
Vou te entrevistar um dia desses também..rsrs
Bjos

Carolina Mancini disse...

Poxa vida...
Quanto mais eu te conheço, professor, mais eu te admiro.

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vanessa disse...

nossa só de ler essa entrevista outra vez já fico cansada....ufa!!!
trascrever isso não foi nada fácil
hehehe
mais foi um trabalho deleitoso, gratificante mesmo!!
Obrigada Warde!!
Pela entrevista e por esse banho de conhecimento que ganhei junto com ela.