Páginas

05/06/2008

uma entrevista que dei


há uns dois dias, a atriz e estudante de comunicação anna felizola (que foi minha aluna na oficina de atores nilton travesso), às voltas com seu trabalho de conclusão de curso (tcc) universitário, passou-me por e-meio a entrevista que vai abaixo. hoje, depois de escrever, de um só fôlego, todas as respostas, percebi que já digo essas coisas há algum tempo – faltava-me registrá-las. com a devida autorização de anna – e meu obrigado pela oportunidade – a coisa ficou assim:

perguntas:

Nome completo, idade e profissão.
warde marx; 48 anos; ator, diretor, professor e dramaturgo.

Como você vê o teatro em São Paulo?
muito ativo, com muitas produções, pesquisa, inovações. há teatro para todos os gostos e bolsos.
é preciso lembrar que toda a arte é reflexo da sociedade que a produz. em são paulo (cidade ou estado) há dinheiro, gente, desejos e necessidades - tudo em grande quantidade e de todas as qualidades. assim, o teatro paulistano (incluindo a grande são paulo) não poderia ser diferente.

O que falta para o teatro em São Paulo? (Apoio? Incentivo? Divulgação? Espaço?)
apoio, incentivo, divulgação e espaço - sempre.
porém, desde que pisei num teatro, há quase 30 anos, ouço o pessoal da classe reclamar disso, da falta dessas coisas todas (aprendi com meu primeiro professor, antonino assumpção, e acredito nisso até hoje: "o teatro tem que ocupar todos os espaços"). mas, a resposta que costumam encontrar é que precisam de dinheiro público e/ou privado. a finalidade é "levar o teatro aonde o povo está". e tome lei de incentivo e tome teatro na periferia e tome preços populares/baixos/inexistentes. e isso tudo tem, sim, sua importância.
só que eu acho que os investimentos e as lutas, nesses anos todos, negligenciaram um dado importantíssimo: educação (como de resto vem sendo negligenciada em todas as esferas deste país. só a classe dominante parece saber que seus filhos, bem preparados, terão um futuro definido pela frente). não adianta levar uma peça a quem nunca viu teatro e esperar que a pessoa enlouqueça e queira ver teatro 24 horas por dia. reclamam os "modernetes" que é um absurdo (usam muito essa palavra) as pessoas preferirem encher a cara no boteco ou ir ao pagode (e outras atividades do mesmo valor) a assistir seus espetáculos suuuper-qualquer-nota. o que eu digo a isso? ora, meus amigos, mostrem-me em que momento o teatro passou a fazer parte da vida daquelas pessoas! não como uma coisa "diferente" do cotidiano, mas como uma coisa tão presente quanto... encher a cara no boteco ou ir prum baile daqueles.

Qual a importância/contribuição de grupos como o Folias D'Arte para a cena teatral paulista? (nota do warde: pra quem não é de são paulo: o grupo folias d’arte é um dos mais atuantes grupos da cidade, com trabalhos que dão inveja a muuuiiita gente. os caras unem teatro, música, humor, crítica, enorme seriedade e beleza plástica. seus trabalhos são aulas de estética teatral. e, ainda por cima, lá trabalha a grande atriz, diretora e mestra do teatro, bete dorgam, que eu tenho a sorte de ter como amiga)
os grupos que, desde os anos 90, vêm se firmando na metrópole são de importância fundamental para nosso teatro (não só em são paulo, mas em outros cantos do brasil também, que isso está em toda parte). através de pesquisas - práticas e teóricas, é importante ressaltar - produzem e fixam conhecimento e renovação. servem como exemplo pra garotada que vem vindo, no sentido de que é possível viver de teatro, mui dignamente, sem entrar em nenhum esquemão de "faço-coisas-ruins/menores-para-garantir-sustento-enquanto-preparo-meu-trabalho-verdadeiramente-artístico". e, como não dependem de um produtor-capitalista, alguém que escolha o texto e a forma de produzir o próximo espetáculo, segundo suas conveniências mercadológicas (só para entender bem: é isso o que fazem os produtores dos grandes musicais que têm vindo pra cá...), acabam refletindo de maneira muito mais profunda o mundo em que vivem/vivemos.

Como era a cena teatral paulista antes desse "boom" de grupos importantes em São Paulo como o Folias?
beeem basicamente, era o seguinte: nos anos 80, saindo da ditadura militar (o último general-presidente ficou até 85, daí entraram tancredo/sarney, para um governo de transição), o brasil estava muito atrapalhado. se o teatro, como toda arte, reflete seu tempo e lugar, adivinhe como estavam nossos palcos? entre outras, tentamos:
a) voltar ao tempo das grandes companhias (antônio fagundes teve uma bem importante; juca de oliveira também);
b) partir para soluções economicamente viáveis (pequenos elencos, grandes nomes);
c) fazer um teatro que debochasse daquilo tudo que se vivia (besteirol);
d) acreditar que reunir um elenco, realizar um espetáculo e dissolver esse elenco após a temporada era tudo o que podíamos fazer, pois não havia como contratar aqueles artistas permanentemente (o que nos faria voltar ao item "a").
aí, algumas pessoas começaram a se reunir para fazer teatro. só isso. em função do teatro foram ler, discutir, brincar, brigar, viver, experimentar e muitos outros verbos (pois verbo é ação; e como é que se diz ação em grego...? drama!).

A esses ajuntamentos de pessoas acima descritos nós chamamos... “grupos”!

Existe espaço para mais grupos que nem o Folias?
em cada canto, esquina, imaginação, morro, bairro, escola, igreja, reflexão, clube, praia, coração, garagem e vão de escada.

Como você vê a cobertura jornalística de peças teatrais e também a critica?
basta pegar os livros que reúnem a cobertura e crítica de gente como décio de almeida prado, miroel silveira, paulo francis, sábato magaldi, bárbara heliodora, yan michalski, maria thereza vargas e mais uns (muito) poucos; perceber que aquele trabalho não ocorreu em outro planeta ou era geológica; foi aqui no brasil, são paulo e rio de janeiro, principalmente, há 50 anos ou menos - basta conhecer isso, pra se ter uma vontade enorme de chorar...

Para você, como nasce um espetáculo teatral? (Warde, o objetivo do nosso trabalho é descobrir como nasce um espetáculo teatral!)
da vontade de contar uma história, diante de alguém, usando para isso o seu corpo, de maneira integral, com sentido estético - essa é a molécula do teatro, a partir dela tudo é possível, o único limite é a imaginação.
pra chegar ao teatro parte-se do texto, da improvisação, do simples desejo de algum artista - percebendo afinidades ou o que o valha - trabalhar com outro, de uma boa idéia que alguém teve numa mesa de bar (um texto meu - que montei recentemente - nasceu há uns 5/6 anos, numa mesa de padaria, sem álcool. a idéia permaneceu armazenada e, há 6/7 meses, brotou novamente sua necessidade, a peça foi escrita, encenada e terminou sendo um belo sucesso!).
na verdade, pensando nisso agora, acho que o importante é sempre iniciar a caminhada (pois o caminho se faz ao caminhar, ou seja: não há fórmulas) e ter um desejo de chegar (ao espetáculo, no caso). Como ele vai ser quando a gente chegar lá é uma outra história...

bão, a entrevista termina aqui.

mas, acho que vou continuar a pensar no assunto...

4 comentários:

Unknown disse...

ha! descolei! achei o blog do warde. já to frequentando viu!
bjs!
waleska.
www.wal.mattos.zip.net

Anna Felizola disse...

é warde... essa entrevista tem ajudado bastante, viu?
Muuuuito Obrigada pela atenção!
saudades!
Beijoss

Giulliana disse...

Oi Warde!
Sou a Giulliana e estou fazendo o TCC com a Anna. Vim aqui te agradecer pela entrevista e pela atenção q tem tido conosco e com nosso trabalho.
Mto obrigada! =0)
Bjos!

Juliana Petroni disse...

Parabéns pela entrevista morro de saudade das suas aulas. Nos vemos pelos corredores.
Beijo, visite meu blog!